quarta-feira, 9 de abril de 2008

Enturmação ou correia de montagem para o controle final de qualidade?!


“Nova era da educação do Estado (RS)” (Z.H.-26.02.2008): entrumação (7500 turmas extintas, 105 escolas fechadas, todas as crianças e adolescentes serão remanejados para outros setores da montagem); inclusões de crianças de 6 anos, obrigatória, no Ensino Fundamental (a estranha máquina de entortar gente);municipalização da Educação Infantil (municípios? Com que condições, com que recursos?); transporte escolar (desenraizar a infância de seu território, de sua cultura, de seu meio social, de seu tempo de infância, de sua linguagem, de suas crenças, de seus companheiros, de sua professorinha...). Sem relações de pertencimento com os outros e com o nosso mundo nos perdemos; caímos no vazio existencial. E, então, qualquer coisa é boa ou nada vale pena!
Na ilusão de que são decisões administrativas se esconde o que são opções por prioridades. Atrás de cada definição existe uma opção que, por ser prioritária, se define como única: todas as outras como não prioritárias; portanto, se trata de “escolhas trágicas”.
1º O Estado decide reorganizar a escola em função de melhor empregar os recursos públicos: professores ociosos, turmas pequenas demais, salas semivazias, resultados medíocres nos exames nacionais, infra-estrutura sub-aproveitada... Soluções corajosas de administração da escola no RS! Para quem?!
2º Quando qualquer processo educativo está atrelado a um sistema avaliativo que busca resultados estatísticos rouba qualquer pretensão de autonomia. Quem decide que educação fazer e para quê são as comissões de avaliação. Então a opção por quê educação e para quê sociedade está inserida no processo de avaliação imposto que irá buscar o certo e o errado ou o que é bom e o que é mau. É claro que o certo e o errado é marcado por quem elabora as avaliações. Estas comissões perguntaram às crianças o que é certo para bem viver sua infância? Ou perguntaram aos educadores para que mundo estão construindo sua experiência de escola? Para seu bem explícito: alguma prova perguntou se esta criança ou adolescente é feliz enquanto aprende na escola?! Se o saber e a experiência de escola não construir situações privilegiada de prazer não vale a pena vivê-la, mesmo porque será inútil ou prejudicial.
Na proposta “revolucionária” da escola do RS nem crianças, nem educadores foram ouvidos sobre que escola queriam. Pelo contrário, quando foram ouvidos em algum tempo os resultados desta escuta foram destruídos ou ignorados: constituinte escolar – a melhor experiência de participação que a escola estadual já viveu em sua história!
Nas últimas administrações do Estado (RS) os educadores não só não foram ouvidos como foram ferozmente humilhados. Basta lembrar as greves dos educadores do Estado que buscavam ser ouvidos.
Dois momentos emblemáticos: quando um grupo de professores e professoras solicitaram ser ouvidos pelo poder público em nome de seu órgão de classe. Fizeram manifestações em frente ao palácio do poder e desencadearam uma greve de fome com o fim de sensibilizar os responsáveis pelas decisões político-administrativas do Estado. Não de repente sentiram-se cercados por centenas de policiais fortemente armados com cães ferozes atiçados contra eles como se fossem terroristas perigosos em tempo de explodir o palácio do governo. Pior que isto, em outro momento os educadores precisaram se acorrentar às grades dos portões do palácio. O que queriam? Queriam ser ouvidos.Nos fundos do palácio já estava um destacamento da polícia de choque, também fortemente armado, só aguardando a ordem de reprimir (bater, assustar, mutilar ou mais se a raiva ditasse). O que queriam? Ser ouvidos! Neste momento, num instante de lucidez humana, a governadora manda a tropa evitar confronto e agenda uma audiência que deu em nada. Estes policiais e seus mandantes certamente não passaram pela escola, ou, se passaram, foram muito mal alfabetizados. Não sentiram o calor, o afago da mão da professora orientando os primeiros traços da escrita e dos números!
Como fazer uma boa escola sem participação daqueles que, de fato, a fazem? Nenhum autoritarismo resiste por todo o tempo a vontade das multidões dos deserdados dos direitos fundamentais.
Por mais brilhante que seja o discurso há um momento que uma criança vai gritar: “O rei está nu!” – como na fábula.
É possível lembrar fato, nem tão distante, do “calendário rotativo”. Num “canetaço” de gabinete se ampliam em 25% as vagas para crianças no Estado, sem investir um centavo a mais na infra-estrutura nem em recursos pessoais e didático-pedagógicos. Resultado: fracasso retundante. Até hoje os burocratas desta solução “milagrosa” são lembrados como fantasmas e fantoches de uma época de péssimas e tristes lembranças.

3ª - Nenhuma decisão sem a participação dos que fazem, de fato, chega a lugar algum.

4ª - Sob o ponto de vista da educação, a pergunta crucial é: que educação, para quem? Uma opção politicamente correta leva em conta as prioridades. Nenhuma opção por número de pessoas é neutra. Basta uma criança ser rejeitada para que qualquer opção seja espúria.

5ª - Questão de princípio: nunca se fecha uma turma, nunca se fecha uma escola! Quando se trata de gente, o número é uma questão menor. Basta uma criança rejeitada para caracterizar uma tragédia. Tenho pena da Secretária que passará para a história macabra da educação do RS, que destruiu 7.500 turmas (não importa que sejam pequenas ou não: são crianças) e fechou 105 escolas num só canetaço. Aqui também aparece a visão muito pequena de escola. Escola existe também para ensinar. Mas a sua função é muito maior que isto: um centro de cultura, arte, cidadania – convivência social e política. Existirem poucas crianças não justifica fechar a escola, porque a escola centraliza educadores, laboratórios, bibliotecas, pátios e toda infra-estrutura capaz de abranger todas as causas do contexto social onde está localizada. Fechar uma escola significa desistir de um equipamento social multifuncional jamais descartável. A escola para todos foi uma conquista histórica só alcançada após a Revolução Francesa no século XVIII. A escola para as elites existe desde antes de Cristo; mas não é esta que nos interessa.

6ª - Quem pensou nos heróis anônimos da nossa escola? Os heróicos educadores que todos os dias, todas as semanas, todos os meses, o ano inteiro, cada manhã tomam suas pastas e saem para escola sempre de novo para viver um universo de emoções, de funções, de rotinas generosas e persistentes acreditando que uma escola para o encontro de gentes é possível?!
Não tenho dúvidas: os que decidiram por este pacote “da nova era da educação no Estado (RS)” nunca estiveram em uma sala de aula da escola básica, nunca abraçaram uma criança que chega, sonolenta, às vezes mal alimentada, mal amada, nem acompanharam esta criança no “transporte escolar” em equipamento de qualidade questionável durante intermináveis tempos para chegar e retornar da escola de referência. “Só sabe do peso da pedra quem a pega e a levanta”. Ou melhor, só sabe o valor das coisas e da vida quem a prende com os dois braços e a aconchega e afaga!
Fim: O pacote da educação do Estado (RS) em 2008: uma corajosa solução administrativa e política e um fracasso como proposta de uma escola nova para a cidadania, para a experiência privilegiada da dignidade, solidariedade, da competência (termo que a burocracia adora) humana total.
Se a solução da escola é administrativa como se apresenta no RS, desconsiderando as crianças e seus professores, estará decretando a falência da Escola e do Estado como uma questão pública.
Euclides Redin
São Leopoldo, março de 2008.

Obs.: Se achar que este manifesto vale a pena, divulgue!